Devido à pandemia, o Governo de Ho Iat Seng não teve ainda ocasião para demonstrar a sua capacidade para governar. Entretanto, de uma forma geral, os sinais dados durante este período, a capacidade para tomar decisões e, sobretudo, uma maior empatia com a população, leva-nos a esperar que o Executivo invista num melhoramento da qualidade de vida, da habitação, do ambiente, da saúde, etc., de modo coerente e durável, tendo em conta a necessidade de uma proficiente distribuição da riqueza e a criação de oportunidades para todos. Mas, acima de tudo, em tempos de incertezas, seria importante que o Governo tranquilizasse, amainasse os actuais ventos, não se precipitasse em estradas sem retorno e nos mostrasse que entende a identidade de Macau como cidade pancultural, onde diversas comunidades pacificamente coabitam e dominam a sublime arte de lidarem com a diferença e o desconhecido. https://hojemacau.com.mo/2020/09/04/we-know-not-what-tomorrow-will-bring/
A 20 de Dezembro de 2019, o Governo de Ho Iat Seng tomou posse. Faz amanhã seis meses. A primeira metade do Executivo foi marcada pela pandemia, pela tentativa de recuperação económica, pela proibição da exposição e da vigília em memória das vítimas do massacre de Tiananmen e pela turbulência do outro lado do Rio das Pérolas.
COVID-19: UM COMBATE “BEM SUCEDIDO”
Eilo Yu, professor do Departamento de Governação e Administração Pública da Universidade de Macau (UMAC), destaca as medidas “muito pró-activas” no combate ao surto epidémico da Covid-19 em Macau. “O Governo foi bastante bem sucedido”, afirma, salientando o facto de a 1 de Janeiro – um dia depois de o gabinete da China da Organização Mundial de Saúde ter anunciado a descoberta de casos de pneumonia de origem desconhecida na cidade de Wuhan – o Governo de Macau ter começado a medir a temperatura a quem chegava ao aeroporto da região vindo daquela cidade chinesa.
A 4 de Fevereiro, Ho Iat Seng decidiu encerrar os casinos por duas semanas. “Foi uma decisão muito arrojada” e “bem sucedida”, indica Yu, prevendo: “No início, quando a pandemia se estava a espalhar, foram necessárias medidas fortes. O problema é que, se a pandemia continuar por muitos mais meses, a economia e a sociedade não vão tolerar e vão perder a paciência”. E isto “gera problemas para o Governo de Macau, mesmo que não tenhamos casos nos últimos dois meses”.
Sonny Lo, politólogo de Hong Kong, que se debruça fundamentalmente sobre questões da RAEHK e da RAEM, concorda: “O desempenho foi muito bom a lidar com a pandemia”. Mas há um preço a pagar: “Claro que o preço é enorme, com tantos turistas do interior da China a chegarem a Macau, as receitas baixaram drasticamente”.
Éric Sautedé, por seu lado, não se diz impressionado. “O facto de Macau ter encerrado os casinos muito cedo, foi, de certa maneira, a coisa certa a fazer, mas foi como uma opção bombástica. Fez com que toda a cidade ficasse num impasse”, começa por dizer o politólogo e investigador, ex-professor na Universidade de São José, acrescentando que este Executivo só o pode fazer porque “é um dos Governos mais ricos do mundo”. “Assim torna-se mais fácil” controlar a epidemia, explica. Já Larry So elogia o trabalho do Governo. O politólogo destaca os esforços das autoridades na restrição de entradas e saídas e ainda na questão das máscaras: “O Governo fez um bom trabalho para garantir que toda a gente em Macau tenha máscaras”.
UMA RECUPERAÇÃO CAUTELOSA E GRADUAL
Depois do pico da pandemia, chegou a crise económica. O Governo distribuiu cartões de consumo e subsídios pelos residentes e pequenas e médias empresas. “Foi bastante bom, mas no que toca aos desafios a longo prazo, o Governo não tem escolha se não esperar”, antevê Sonny Lo. Esperar que “as fronteiras reabram completamente outra vez, para que a economia possa voltar a crescer”, explica o politólogo de Hong Kong, para quem a recuperação económica será “cautelosa” e “gradual”, já que é ainda preciso aguardar que as fronteiras da região reabram totalmente. Lo diz que isso poderá vir a acontecer apenas no final do ano.
“Não acho que tenha sido particularmente impressionante”, refere Sautedé sobre os esforços do Governo para dinamizar a economia. “O Governo de Macau distribuiu dinheiro, mas todos os Governos o estão a fazer, todos os países estão a gastar dinheiro e a distribuir dinheiro pelos cidadãos, para fazer com que o consumo recupere”, lembra.
Além disso, o politólogo francês questiona a distribuição dos apoios: “Será que todos precisam exactamente do mesmo tipo de apoio? Eles dão o mesmo dinheiro a todos os residentes de Macau. E, além disso, há discriminação entre os residentes e os portadores de ‘blue card’”. Sobre o modo como os trabalhadores não-residentes foram deixados de fora dos subsídios do Governo, comenta: “É extremamente triste, especialmente num sítio em que quase metade da força laboral é importada”.
Eilo Yu não sabe responder se o Governo tem respondido às carências económicas pós-coronavírus. “No início, o Governo parecia não estar atento à economia, mas depois de alguma mobilização e de queixas do sector empresarial, acho que o Governo de Macau viu que não era suficiente”. A recuperação económica do sector do jogo, motor da economia local, também está à espera que as fronteiras reabram e, para isso, “o que o Governo pode fazer é montar um plano para a reabertura das fronteiras, para aliviar a pressão financeira dos casinos e da indústria do turismo”.
Para Larry So, o Governo tem feito “um bom trabalho” para alavancar a economia da região, mas “há espaço para melhorar”. Como? “A nossa economia baseia-se muito na entrada de turistas e estamos a falar maioritariamente de turistas da China. Nesta área não temos feito muita coisa”. Porém, “também não podemos fazer muito, porque é uma política do Governo Central”.
OS CONSELHOS DE PEQUIM
Os primeiros meses de Ho Iat Seng enquanto Chefe do Executivo também ficaram marcados pelas proibições inéditas de iniciativas que se realizavam há 30 anos, em memória das vítimas do massacre de Tiananmen. A não autorização da vigília de 4 de Junho e da exposição sobre o massacre são, na opinião de Larry So, “uma orientação do Governo Central”. “É uma orientação do partido e do Governo Central, que diz que não quer que aconteçam essas coisas nesta altura, com as manifestações de Hong Kong”, afirma, sublinhando que o Executivo está “a fazer o que o Governo Central aconselha”. Para So, o Governo de Ho aproxima-se mais de Pequim do que o Governo de Chui Sai On.
Eilo Yu concorda: “Este ano, quando o Governo de Macau não permitiu a vigília, ficou implícito que há uma aproximação às medidas de Pequim”. “Eu acho que faz parte das políticas de Pequim para as duas regiões administrativas especiais. Pequim quer aumentar o controlo e a influência junto das duas RAE e fazer com que as duas RAE sigam mais as indicações de Pequim”, assinala, lembrando que o Executivo tenta sempre “ser cooperante” com as políticas do Governo Central.
Para Sonny Lo, estes impedimentos reflectem um aumento dos poderes policiais em Macau. “O Chefe do Executivo lidera a cidade, mas as forças policiais têm um papel determinante”, indica. Estes episódios mostram “o fenómeno de Macau ser governado não apenas pelo Chefe do Executivo, mas também pelas forças policiais”, refere, dizendo que é também isso que acontece em Hong Kong.
“O poder institucional tornou-se menos tolerante com certas coisas, e depois isso reflecte-se na sociedade. É extremamente preocupante”, comenta Éric Sautedé. O cientista político lembra que esta tendência começou antes, exemplificando com a suspensão do mandato de Sulu Sou enquanto deputado e com o afastamento de Paulo Cardinal e Paulo Taipa enquanto assessores jurídicos da Assembleia Legislativa (AL).
LEI DE SEGURANÇA NACIONAL PODERÁ SER REVISTA
A lei de segurança nacional que Pequim vai impor a Hong Kong poderá motivar André Cheong, secretário para a Administração e Justiça, a rever a lei de Macau, aprovada em 2009. “É lógico que poderão rever a lei de Macau”, aponta Sautedé. Na sua opinião, isto faz parte de uma “mudança global que tem acontecido na China nos últimos anos”. E atira: “Há cinco anos não havia campos de detenção para uigures em Xinjiang, agora existem. Todo este ambiente mostra que o regime chinês está a tornar-se cada vez mais intolerante a determinadas coisas”.
Larry So é da mesma opinião. Diz que, “naturalmente”, Macau vai estar atenta à lei de Hong Kong. Eilo Yu diz que “é de esperar que [Pequim] faça algo semelhante para Macau”, alertando que o Governo Central poderá colocar agências estatais na região para aplicar a futura lei de segurança nacional, como foi noticiado que faria em Hong Kong: “Pode ser possível, pode ser possível”. Já Sonny Lo indica que, “ironicamente”, Macau poderá vir a ter uma lei de segurança nacional “mais relaxada” do que a que vai ser aplicada em Hong Kong.
O FUTURO DA ECONOMIA
“Na segunda metade do ano, o Governo de Macau vai prestar mais atenção à economia”. A previsão é de Eilo Yu. “Fomos bem sucedidos a lidar com a pandemia na primeira metade, o problema agora é económico”, indica, acrescentando uma preocupação relativa aos casinos: “Como é que o Governo de Macau vai gerir as relações com os casinos, com estas relações entre a China e os Estados Unidos? Isto gera muita incerteza na indústria do jogo”.
Sonny Lo diz também que um dos principais desafios para o futuro deste Governo está relacionado com o sector do jogo. “A Covid-19 expôs totalmente as lacunas de Macau quanto à dependência exagerada do sector do jogo, que provou ser uma fraqueza de Macau”, aponta. Éric Sautedé acha que “não irá mudar muito” no sector do jogo, mas recorda a entrada de Adriano Marques Ho para a liderança da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ), dizendo que “é muito estranho que se troque a pessoa à frente do departamento dois anos antes da renovação dos contratos”. Larry So diz que, no futuro, o Governo de Macau deve “ter mais diálogo com o Governo Central” para permitir a entrada de turistas da China.
Os quatro analistas concordam num ponto: a população está satisfeita com o trabalho do Executivo de Ho Iat Seng nos primeiros seis meses de governação. Larry So explica: “A população está a gostar do Governo porque este está a distribuir dinheiro”.
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